Hoje convidamos-te a ouvir um excerto do poema "Guardar", do poeta brasileiro António Cícero, que é dito no vídeo em duas versões: uma no português de Portugal e outra no português do Brasil.
Como sempre acontece aqui, convidamos-te a emprestar-lhe a tua voz. Se preferires, para não te deixares influenciar, podes começar pelo empréstimo da tua voz, antes de o ouvires no vídeo.
Depois, se quiseres aceitar o desafio (e apenas se te der prazer aceitá-lo), imagina outras coisas que podes guardar — sem as perder de vista, prender ou fechar num cofre — da mesma forma que se “guarda o voo de um pássaro”. Finalmente, tenta integrar no poema o que imaginaste, continuando-o com a tua escrita. Talvez te facilite a tarefa, se te disser que o António Cícero, continua o poema assim: "Por isso ... ... ... ... "
Claro que, como sempre, podes investir apenas na leitura do poema, dizendo-o para guardá-lo, para que não o percas de vista.
Na continuação deste poema, o poeta António Cícero, para além do voo do pássaro, sugere outras coisas que podemos guardar sem fechar num cofre.
Hoje encontrei-me com este pequeníssimo poema (Haiku, a julgar pela sua forma*), de David Rodrigues, que a lua de manhã ** o levou a escrever.
À primeira leitura, leio que nem todos os sonhos (ou nenhum, talvez) cabem numa noite.
Que podes fazer a partir deste poema?
Podes, se quiseres, aceitar o desafio:
— escrever sobre o que a lua te faz sentir (ou outro astro, outra paisagem ou outra coisa qualquer), em três versos, sem te preocupares com a métrica da estrutura tradicional deste género de poema, tal como aconselha Gonçalo M. Tavares: «escrever algo aproximado aos haikus, sim, apenas isso — nada mais do que isso, uma vizinhança —, vizinho por vezes bem afastado, outras vezes um pouco mais ali, ombro com ombro. […] Nem dezassete sílabas, nem outras leis […]; apenas um ritmo a três compassos lentos. Uma vizinhança apenas, embora mantendo o nome; assuntos distintos, outro ritmo, outra direção».**
— escrever outro poema que, em vez de começar com a "lua de manhã", comece com a "lua de tarde", por exemplo***, mantendo a presença da noite e do sonho — Nota que, mesmo sem seguir, na íntegra, a estrutura tradicional deste género de poema, este não é um desafio fácil. Exige-te muito mais do que trocar um verso por outro. Ora repara: ao começar com a lua de tarde, a noite ainda está para chegar. E ao anteceder a chegada da noite, a lua de tarde é anúncio. Anúncio de quê?
Claro que podes esquecer tudo isto e ficar apenas (e o apenas não é coisa pouca) pela leitura que te der mais prazer. Mas para isso precisas de ensaiar a leitura com a voz ou as vozes que melhor servem este poema — Nota que há muitas outras formas de dizer-lo, para além das formas presentes no vídeo.
_____________________________________
* Haiku (ou haicai) é um poema curto de origem japonesa, que aposta na justaposição de imagens simples, para criar uma reflexão ou sensação emocional. Estrutura: Tradicionalmente, um poema de três versos com a métrica de 5, 7 e 5 sílabas, totalizando 17 sílabas. Este poema respeita apenas o total de 17 sílabas, mas não é por isso que não deixa de ser um haiku, apenas não se deixa amarrar pela métrica tradicional. Temática: Foca-se em temas da natureza e do cotidiano, com um tom objetivo e direto. Justaposição: O poema costuma unir duas imagens contrastantes, uma delas representando o tempo ou as estações, e a outra uma observação ou revelação. Filosofia: A ideia é capturar um momento de forma similar a uma fotografia, transmitindo uma emoção ou sensação de forma subtil.
** Gonçalo M. Tavares, Tempestade e motor. 100 haikus, Relógio D’Água, Lisboa, 2023: p. 10.
*** "Primeiramente, é importante esclarecer uma questão: a lua está sempre presente no céu, tanto durante o dia quanto durante a noite. O que ocorre é que, por ela não apresentar luz própria, só é possível vê-la quando ela é, de algum modo, refletida pela luz do sol.
Durante a fase da lua nova, como o sol está a iluminar o lado oculto do nosso satélite natural, ela não pode ser vista por nós nem durante o dia, nem durante a noite. Durante a lua cheia, ela só aparece no horizonte celeste quando já está a anoitecer.
Portanto, a lua, durante o dia, pode ser vista sim, mas apenas durante as fases minguante e crescente. A primeira só aparece pela manhã e a segunda, depois do meio-dia, isso porque a minguante nasce imediatamente após o período da cheia, à meia-noite, permanecendo nos céus durante 12 horas. Já a lua em sua fase crescente, mais comum, só pode ser vista durante as tardes porque ela só nasce na metade do dia, quando fica iluminada em cerca de 50% de sua superfície durante as mesmas 12 horas. A iluminação, além da reflexão da luz do sol, depende, sobretudo, do grau de inclinação dos raios solares.
As diferenças dos horários quanto ao surgimento da lua no céu explicam-se pelo facto de, a cada dia, ela nascer 48 minutos mais tarde. Portanto, à medida que a posição da lua, em relação aos raios do sol, se vai alterando, alteram-se também as suas fases e o horário de seu aparecimento no horizonte."
Gosto muito deste poema de Daniel Faria. Não me perguntes porquê. Gosto e pronto. Na primeira vez que me encontrei com ele, senti logo qualquer coisa que me prendeu a ele. Mas não te sei dizer o quê — uma forma de o dizer, talvez, que ficou logo no ouvido, e me fez dizê-lo tantas vezes, até me ficar cravado na memória.
Um filósofo e poeta de nome Paul Valléry, nascido em França, diz para não nos apressarmos, de modo algum, a procurar o significado de um poema. «Tudo o que há são sílabas e ritmos», diz ele. É nas suas sílabas e nos seus ritmos que deves focar a tua atenção, e fazê-lo falar da forma que mais gostares. E depois? Bom... depois logo se verá!
Uma proposta de trabalho de texto a partir de uma poema de FERNANDO TORDO
..., mas da falta de chuva só surgiram dias belos, cada vez mais belos; até que um belo dia, choveu. [ª]
Neste poema de Fernando Tordo, percebe-se um antes e um depois, não revelados, que desafia quem o lê a imaginá-los.
És capaz de aceitar o desafio?
Atreveste a recriar o poema, com o antes e o depois que fores capaz de imaginar?
Repara que não é o sol ou a chuva que, por si sós, fazem o dia ser belo ou feio. O que faz o dia ser belo, ou não, é o que acontece nele. E muito do que acontece, depende, muitas vezes, de nós!
_________________
[*] Poema publicado no livro "Não me tapes o caminho em frente, mesmo que não vá dar ao futuro", Guerra & Paz, Lisboa, 2021: p. 44
"A Noite", de Pedro Mexia, traz uma história há maneira de bonecas russas. Uma vez entrados na noite, enquanto for noite, é na noite que ficamos:
"(...) / dentro da noite noite, / e abrindo a noite noite, / outra vez noite, / repetidamente noite depois da noite / a seguir à noite". Noite é a palavra que persiste a "desenhar" o ambiente do poema. Claro que a noite pode ganhar outros tons, deixando o Sol iluminar a Lua, limpando as nuvens para deixar ver o brilho das estrelas. Mas só quando o sol se dispuser a iluminar o dia [não esquecer que a noite é uma parte das 24 horas do dia], é que a mudança de cenário será radical. Mas isso é cenário que o poema de Pedro Mexia não contempla: nele não existe porta que permita a sua entrada. Se a queremos, não temos outro jeito que não passe por desenhá-la.
Que palavras podemos escrever n'«A Noite», que possam ser, ao menos, um vislumbre de saída?
Procurá-las com a escrita, talvez seja uma forma de entrar, mais profundamente, no poema. Queres aceitar o desafio?